terça-feira, 14 de abril de 2009

Nego Francisco.


O Nego Francisco era um cara legal. Daquele tipo boa praça, bom sujeito. Malandro, nunca foi preso a toa. Nego Francisco ensurdecia o povo com sua gargalhada nas tardes de domingo ao tomar sua cerveja naquele bar do Zé, ali na esquina, pertinho de casa. Sabe? O bar do Zé, onde têm cerveja, coxinha de galinha, petiscos e muita mulher em volta. E assim se divertia Nego Francisco.


O Nego era cheio de amigos, andava rodeado, e quando pintava lá no Zé, era motivo pra festa, porque aquele Nego enchia a mesa de gente. E tome descer cerveja, e tome pedir tira gosto, e tome ibope e dinheiro pra conta do Zé. Nego Francisco fumava, sempre tinha cigarros no bolso, o seu Hollywood, e não negava a ninguém quando lhe pediam. O Nego era tão gente boa que fazia questão de acender o cigarro.O Nego tinha carisma. Sabe desses de riso fácil? Dos dentes mais brancos que cor de nuvem de algodão doce no céu azul de domingo. Todo mundo andava na aba do Nego. Ah, eu via todo mundo circulando em volta daquele bom malandro, e via o Nego feliz por ter ibope, se sentia respeitado, querido. E quem não se sentiria? Quem não ficaria feliz?


Na pelada de fim de ano lá do bairro, foi uma rua contra a outra. Aquelas coisas de bairro sabe? O Nego tava bebendo no bar e a sua rua estava perdendo de 2 x 0. O dono da quadra mandou o Espoleta, o moleque que limpava o carro dos bacanas no dia de semana, ir correndo chamar Nego Francisco. E o Nego tava com 3 mulatas na mesa. Aquele Nego gostava!

-Ô Nego, tamo perdenu!

-Tá bom meu querido. Pedi um refrigerante pro Zé, e vamo comigo pro campo.

E o Nego comeu a bola, virou o jogo, e comeu mais algumas coisas depois da partida.

Aí Nego ficou esquisito. Sem disposição, sem vontade e ficou fraco. E a cara do Nego não foi nada boa depois que o Seu Dotor deu o diagnóstico.

-HIV Francisco. Infelizmente.

Mas o Nego não se deu por vencido. Não seria o fim. Ele tinha o bar, tinha trabalho, tinha os amigos e tinha a pelada do fim de semana. Mas o Nego emagreceu mais,e não conseguia mais trabalhar, e ficou sem dinheiro. E ficou sem cerveja. Um dia o Zé negou uma cerveja pro Nego, e pediu pra ele ir embora do bar. E proibiram o Nego de jogar futebol. E o Nego pediu cigarro uma vez passando na rua, e negaram cigarro pro Nego. Logo o cigarro. E Nego Francisco havia perdido o bar, o trabalho, o futebol, dinheiro, cigarro e os amigos. E enfim, o Nego perdeu o sorriso. Triste foi o dia que o Nego Francisco perdeu o sorriso. Naquele dia o bairro ficou mais feio, mais triste.

Num dia qualquer desses de abril, o Nego foi embora. Foi triste a ida do Nego. Falaram que o Nego morreu de Aids, mas eu não acredito. O Nego não morreu de Aids não. Nego Francisco perdeu sua vida antes de partir. O Nego morreu mesmo foi de desgosto, preconceito. Porque naqueles dias que vi o Nego de cabeça baixa, a sua única companheira foi a solidão.


Para todas as pessoas que precisam ou não se conscientizar que o preconceito e a solidão matam antes de qualquer doença. Preconceito é o pior dos crimes, pois não fere a carne. O Preconceito mata a alma. Inclusão social é isso. É nunca deixar de tratar qualquer pessoa como pessoa. Qualquer semelhante como igual.


Um conhecido nosso, aliás, muito conhecido, deixou uma mensagem bem sutil em uma de suas músicas que diz o seguinte:

“Digam o que disserem, o mal do século é a solidão.” – Renato Russo.

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